Livros de auto-ajuda, pára-choques de caminhões, líderes religiosos, todos sempre partem do princípio de que para amar ao outro deve-se primeiro amar a si mesmo. Algo que parece simples, mas, não sei se sou um caso exclusivo, mas sabemos que hoje tanto o verdadeiro termo “amar” anda um pouco deturpado em nossa sociedade. Somos preparados para viver para os outros, competindo com eles, se comparando, ter a realização da vida no reconhecimento dos outros, celebridade, fama. Você está a todo o momento conectado, quantas mais pessoas melhor, e acaba ficando difícil estar realmente sozinho nos dias de hoje. São tantas as distrações e informações que se torna raro você se voltar para si mesmo, a opinião alheia começa a ter cada vez mais importância.
Antes de manter uma relação com o outro, mantemos uma relação consigo mesmos, há momentos de se gostar muito, estar às mil maravilhas, mas há os inegáveis momentos de crise, pode até haver a que seria a “terceira pessoa” que acaba por fazer você trair a si mesmo, momentos também até onde você não se encontra mais. É impossível escapar das eventualidades de um relacionamento, mesmo que este seja consigo próprio. E sinto uma dificuldade em admitir, mas não acho fácil o “simples” amar a mim mesmo.
Nunca me disseram a receita para amar a si próprio, ou melhor, posso já ter escutado, mas receitas e manuais são difíceis de operalizar algo quando nos voltamos para termos subjetivos, inerente de qualquer ser vivente Homo Sapiens Sapiens-demens. Mesmo que houvesse como fazer um manual ou receita não me veria como a pessoa ideal para ditá-lo. No entanto posso repassar um pouco de minhas vivências como lições tanto para mim mesma como para vocês, dispostos a lê-las, de como percebi as dificuldades de minha relação e como poderia enfrentá-la.
Recorro, primeiramente, ao grande poeta Fernando Pessoa, quando fala de seu amor próprio diz “hoje só tenho encontro marcado com o que me interessa”. Uma frase óbvia ao que parece, porque maioria das coisas que fazermos é de interesse próprio, mas com o decorrer de uns tempos tenho me questionado se era o que realmente acontecia. O pior que não se trata de altruísmo, mas de ser levado pelo outro. Crescemos vendo conceitos de popularidade, conhecer pessoas, sair. Para mostrar que se é feliz basta ter fotos no Orkut sempre acompanhado, se você só tem foto sozinho acaba virando patético. Hoje não vejo curtição ou divertimento trazido pela mídia que não seja ao redor de várias pessoas ou mesmo que seja para esbanjamento dos outros, por vezes não passa de apenas conglomerados de pessoas. Por isso quando me deparava com opções sair com os amigos ou ficar em casa sozinha, mesmo que a primeira opção não fosse a preferível, eu a escolhia, porque absolvi o que tanto ouvi: “Tudo, menos ficar em casa!”.
É inegável que é melhor os bons momentos junto a uma companhia, mas existe também como tê-los sozinhos. Por isso, hoje, antes de pensar em sair, primeiramente pergunto a mim mesma se estou com vontade, independente de quem esteja lá ou o que. Às vezes há barreiras físicas, como também há as emocionais, ir para uma festa triste é o mesmo que ir para a mesma com as duas pernas engessadas ou com dor de dente. Para mim, respeitar esses momentos sem ver grande perda é uma grande prova de amor próprio. No entanto, é normal ver pessoas preferirem sair a enfrentar o próprio sentimento sozinho, prefere anestesiá-lo indo a público, porque ao ter outras pessoas em volta seria insano demonstrá-lo, principalmente sendo de natureza melancólica, dificilmente perdoada em nosso meio.
Contudo, para o exemplo das festas, pode-se afirmar que as pessoas tem vários ideais de felicidade, e uma parte delas preferem ser reservadas, mas não é sinônimo de amor próprio às mil maravilhas. Ele se põe em prova quando essas pessoas se vêem tendo de enfrentar a situação oposta. Em épocas que preferia me reservar, ao me ver junto às várias pessoas vinha a constante vontade de procurar a porta de saída, passava a me sentir insegura, desconfortável, sem ter nem a vontade de olhar na cara das pessoas. O amor próprio se torna obsessão. É como a história de narciso, acabamos afogados em si mesmos sem ter um real contado com os outros. A prova do amor próprio está também na relação com o outro, se não o consegue, algo está errado consigo mesmo.
Engraçado, na primeira situação quando a pessoa está no meio aos outros, procura enxergar algo de si, na segunda, ela procura ignorá-los porque não vê nada de si. Na primeira, queremos pessoas como nós mesmas, assim poderíamos gostar de si mesmas, na segunda negamos as outras pessoas por não serem como nós, temendo perder algo de si.
São apenas dois extremos, devo ressaltar, ninguém é tão categoricamente isso ou aquilo, não gosto de categorias, digo até porque já experimentei um pouco dos dois lados como do cogumelo de Alice no País das Maravilhas. Uma hora você se vê crescendo, outra hora está diminuto.
Depois de altos e baixos, reconheci que até nas pequenas atitudes colocamos em prova nosso amor, ao escolher uma roupa, o que comer, o que fazer. Mas sua maior conseqüência ocorre em nossas próprias emoções, Ingmar Bergman, um dos maiores diretores de cinema já afirmou que "Instintivamente as pessoas têm sempre medo das emoções.”. O não sucesso nelas corresponde a nossa vida, então muitas são repudiadas pelo modelo atual: a sociedade, a economia, a política trabalham para que sejamos felizes, nos proporcionando todos os meios e happy hours possíveis. Com tanta felicidade a mostra se torna repugnante ou até vergonhoso estar triste, chorar, sofrer, deve-se fazer tudo para evitar essas formas doentias de sentir.
Esquecemos, então, que as emoções fazem parte de nosso próprio ser, são, antes de qualquer moral ou regra de conduta profissional, os grandes agentes modeladores de nosso ser, como nos tratássemos de simples argila e elas fossem nos esculpindo até nos darem forma, características, mas como aconte
ce se temos medo da emoção, se elas são reprimidas, procuramos evitá-las? Acabamos nos tornando aberrações, figuras incompletas. Quando voltamos para nosso amor próprio acabamos nem nos reconhecendo.
Por isso volto a afirmar que não é fácil ter amor a si próprio, para ditar sua máxima chamo Fernando Pessoa novamente para ele contar:“eu percebi que quando me amei de verdade pude compreender que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa (...) Ser feliz não é ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um ‘não’.”. Trilhar esse caminho consiste em aceitar suas emoções, respeitá-las e senti-las de todo coração, como afirma Rubem Alves “os sentimentos são pássaros em pleno vôo” ao aprisioná-los deixarão de sentimentos. Vivê-los significa aceitar a si próprio, portanto, amar-se.