quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Autonomia? Será que estamos prontos?...



Esse pensamento me veio desde uma visita a fazenda do meu avô (nas poucas vezes que consigo um tempo para passar lá), e ao caminhar um pouco, peguei uma cajarana da árvore e disse pra mim mesma: “Nossa, a quanto tempo eu não faço isso...” Pensei o quanto esse pequeno gesto está se tornando cada vez mais raro no meu quotidiano, e o quanto pode ser inexistente na vida deoutras pessoas? Principalmente as que moram em metrópoles?
Cheg
uei à conclusão de que não sabemos mais o que é plantar e colher... Recebemos tudo empacotado, sem saber de onde veio, como chegou em nossas mãos, o quanto foi modificado quimicamente...
Por isso considero um paradoxo a grande difusão do termo da Autonomia, não apenas na saúde, na educação, ou em qualquer outro âmbito. O quanto todos nós, indivíduos da sociedade, precisamos de autonomia, não discordo. Mas, chego a me questionar, às vezes, se estamos preparados para termos essa autonomia...
Nós estamos cada vez mais individualistas, condicionados nos nossos costumes, no padrão da vida moderna que acompanhamos, mas, ao mesmo passo que tornamos individualistas, nos tornamos dependentes, extremamente dependentes. Não apenas do outro que está ao nosso lado, dos nossos vizinhos, mas também a uma entidade maior, ou melhor, entidades, que nos fornecem comida, medicamentos, roupas, casas, sem eles iríamos a ruína. Não sabemos mais nem a quem nos fornece, pois não é uma pessoa de que estamos falando, Sr. Unilever, a Sra. Nestlé, a Sr.Pfizer...
Na saúde, área a qual tenho íntimo contato, nós sabemos o quanto tornamos nosso usuário dependente, do médico, da receita, do medicamento, o SUS é sucateado por ousar remar contra a maré da centralização... Desse quadro é inevitável vir o desânimo... Porque, como haverão pessoas autônomas tão dependentes? Que autonomia controlada é essa? Autonomia na saúde é, por exemplo, só escolher o local onde vai ser tomada a injeção?
Temos a falsa ilusão que autonomia corresponde ao poder de escolha, somos iludidos ao pensar que somos independentes porque escolhemos entre as várias marcas, formas, cores e tamanhos. O sistema capitalista faz esse joguinho, lhe proporciona mais de 100 marcas de requeijão, de tipos de celulares, o que faz me lembrar o personagem no filme Clube da Luta perguntando a si mesmo: “Que tipo de porcelana me define enquanto pessoa?"
Ao ler Boris Cyrulnik, em Os Alimentos do Afeto, pude esclarecer e ver, quem sabe, a luz do fim do túnel... Porque quando eu estava segurando a bandeira da autonomia como a grande solução, ele veio de encontro, sugerindo a idéia de que estamos cada vez com medo de pertencer, depender do laço afetivo de alguém... Não seria isso bom? Querermos ser cada vez mais independentes? Não, isso é a confirmação do individualismo. Ele ressalva a necessidade que temos de pertencer a alguém, precisamos do outro para saber quem somos, para formarmos nossa identidade, e o quanto hoje nos tornamos a deriva se não nos sentimos pertencentes a ninguém, procuramos nossa identidade em porcelanas, roupas, sapatos, óculos, bolsas (eu admito que já me peguei fazendo a mesma pergunta...).
Chego a lembrar dos movimentos populares, eles emergiam de um sentimento de pertença, a você pertencer a uma classe, uma cultura, uma comunidade, um povo. A você ligar sua identidade ao próximo. Acredito, então, que antes da busca da autonomia, seja necessário recuperar nosso sentimento de pertença, um resgate da nossa identidade, da idéia de coletividade, para se propiciar o estímulo à mudança e o envolvimento com o que acontece no seu bairro, na sua cidade, a responsabilização, esses são os elementos da autonomia.