Minha irmã, ontem, me apresentou a situação que envolve a dita cuja, timidamente me dizendo: “Ó, Camila, é só o que está rolando na internet, é uma besteira...”. Ela repetiu que era uma besteira umas três vezes durante a exibição do vídeo, que nem dá vontade de rir, pois a graça está na repetição do bordão que já atingiu um nível nacional do dia para noite (era apenas uma propaganda local da Paraíba) e que se você se atrever a repeti-lo daqui a duas semanas já irão dizer te dizer: “Desenterrou essa, hein?”. Esse fenômeno já vem me importunando há muito tempo. Tudo bem, não me importuna tanto, também consigo rir com as brincadeirinhas pois são semelhantes àquelas que fazemos em uma reunião informal com os amigos, em uma calçada, um bar, numa lanchonete, etc. E sempre foi normal um amigo me mostrar um vídeo engraçado no youtube. Mas o que vem me incomodando é a dimensão da banalidade que anda crescente e que está diretamente proporcional à extensão territorial que atinge. Isso veio me chamar atenção ao ver que Luíza foi manchete no Jornal Hoje e não é a primeira vez. As conversas de bares, brincadeiras entre amigos, conversas bobas que costumávamos jogar por aí, estão sendo difundidas na internet se tornando piadas em massa. Tem lá seu lado positivo, por exemplo, eu posso viajar, pegar escalas no aeroporto e terei conversa para puxar em qualquer lugar que eu esteja, ou até ter vários amigos, de diferentes “tribos” e poderei conversar sobre o sucesso de Michel Teló, sobre o caso do Yorkshire, criticar Restart ou algum outro furor da semana. O problema é que por mais que a internet seja é uma fonte inesgotável de milhares de informações esperando para serem exploradas e buscadas, por outro lado também pode se tornar uma fonte de comodismo, repetição e alienação como está cada vez mais difuso nas redes sociais. É tudo uma questão de se sentir incluído em um grupo, por mais que estejamos isolados cada um em seu computador, sozinhos, sem poder dedicar o tempo para encontros reais em comunidade, com nossos amigos, participamos dessas brincadeiras de rápido raciocínio, já prontas para serem compartilhadas, não precisando nem de muita conversa, por isso, lá vem eu levantando as causas de uma sociedade cada vez mais individual e solitária que dispõe apenas do espaço cibernético para criar frágeis e efêmeras relações... O mais triste é que como toda essa globalização e uniformização é perdida a originalidade e particularidade, ou seja, até nossa conversa está se tornando um produto em massa, ditado pelos Toptrends do Twitter (que já são muito influenciados pelo que passa na Globo), compartilhamentos do Facebook, pois é mais cômodo assimilar as informações que chegam até você, trocando em miúdos, estamos ficando desinteressantes até no conteúdo. A sorte é que cada ser humano (ainda) é único, por mais que seja a mesma piada, aqui e acolá, sempre vai surgir um jeitinho mais engraçado de ver entre as suas interpretações...
O universo na poeira estrelar: e o que ela pensa...
Não se trata de física, se trata da alma que está na física, da alma que está na matéria, nas coisas, nos corpos, nas sinapses dos meus neurônios...
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Luíza está no Canadá e nós estamos cada vez mais desinteressantes
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Quanto mais moderno, mais nostálgico...
domingo, 30 de janeiro de 2011
Um muro para se ver acima...
“E agora assiste a tudo em cima do muro...” Já cantava Cazuza preocupado, como também ouço constantes acusações às pessoas que escolhem essa posição. Há de se concordar que, aparentemente, seja uma atitude covarde, cômoda. O que me fez pensar no porquê da existência de um muro, o que significa?
Muros são construídos para separar, para proteger, porque são frutos de nosso medo, para não podermos encarar a realidade à fora. Logo, já não tenho tanta certeza de que as pessoas que escolheram um lado do muro, tão orgulhosas e convictas por defendê-lo, sejam tão corajosas. Escolher um lado pode significar se isolar, limitar-se à própria realidade, e ficar com uma visão restrita.
Ou pior, os muros levam à intolerância, visto que não se há comunicação com o outro lado, ele passa a ser estranho, diferente, tornando-se, por sua vez um oponente, por isso a revolta quando se vê pessoas em cima do muro, porque há o temor de enfraquecimento, de que sua realidade seja contestada.
Por isso, penso se a pessoa que ficou em cima do muro talvez, em algumas situações, possa ser também um ato de coragem, porque ousou ter uma visão mais ampliada, porque tem necessidade de comunicação com o outro lado. Talvez, não se contente com nenhum dos lados, ou não veja utilidade na existência do muro, queira derrubá-lo.
Venho concluindo que o ideal não seja estar em nenhum dos lados do muro, ou se quer em cima dele. Eu defenderia, de antemão, a abolição total dos muros que criamos, mas nunca poderemos nos livrar totalmente deles, pois são essencialmente uma característica humana. Então o que defendo mesmo e vejo como ideal é que nos muros que construímos, sejam feitas janelas, portas, passagens, ou melhor ainda, , refazer um muro que não seja tão alto ao ponto de tomar nossa visão do outro lado. Sendo o mais importante o sentimento descontentamento com o que temos e pensamos, a necessidade de sempre ousar para o que há além do muro e tentar compreender e nunca, nunca: perder a comunicação com o outro lado...
(Mais fotos do Muro de Berlim para inspirar e ao som do álbum "The Wall" do Pink Floyd)
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Autonomia? Será que estamos prontos?...
Cheguei à conclusão de que não sabemos mais o que é plantar e colher... Recebemos tudo empacotado, sem saber de onde veio, como chegou em nossas mãos, o quanto foi modificado quimicamente...
Por isso considero um paradoxo a grande difusão do termo da Autonomia, não apenas na saúde, na educação, ou em qualquer outro âmbito. O quanto todos nós, indivíduos da sociedade, precisamos de autonomia, não discordo. Mas, chego a me questionar, às vezes, se estamos preparados para termos essa autonomia...
Nós estamos cada vez mais individualistas, condicionados nos nossos costumes, no padrão da vida moderna que acompanhamos, mas, ao mesmo passo que tornamos individualistas, nos tornamos dependentes, extremamente dependentes. Não apenas do outro que está ao nosso lado, dos nossos vizinhos, mas também a uma entidade maior, ou melhor, entidades, que nos fornecem comida, medicamentos, roupas, casas, sem eles iríamos a ruína. Não sabemos mais nem a quem nos fornece, pois não é uma pessoa de que estamos falando, Sr. Unilever, a Sra. Nestlé, a Sr.Pfizer...
Na saúde, área a qual tenho íntimo contato, nós sabemos o quanto tornamos nosso usuário dependente, do médico, da receita, do medicamento, o SUS é sucateado por ousar remar contra a maré da centralização... Desse quadro é inevitável vir o desânimo... Porque, como haverão pessoas autônomas tão dependentes? Que autonomia controlada é essa? Autonomia na saúde é, por exemplo, só escolher o local onde vai ser tomada a injeção?
Temos a falsa ilusão que autonomia corresponde ao poder de escolha, somos iludidos ao pensar que somos independentes porque escolhemos entre as várias marcas, formas, cores e tamanhos. O sistema capitalista faz esse joguinho, lhe proporciona mais de 100 marcas de requeijão, de tipos de celulares, o que faz me lembrar o personagem no filme Clube da Luta perguntando a si mesmo: “Que tipo de porcelana me define enquanto pessoa?"
Ao ler Boris Cyrulnik, em Os Alimentos do Afeto, pude esclarecer e ver, quem sabe, a luz do fim do túnel... Porque quando eu estava segurando a bandeira da autonomia como a grande solução, ele veio de encontro, sugerindo a idéia de que estamos cada vez com medo de pertencer, depender do laço afetivo de alguém... Não seria isso bom? Querermos ser cada vez mais independentes? Não, isso é a confirmação do individualismo. Ele ressalva a necessidade que temos de pertencer a alguém, precisamos do outro para saber quem somos, para formarmos nossa identidade, e o quanto hoje nos tornamos a deriva se não nos sentimos pertencentes a ninguém, procuramos nossa identidade em porcelanas, roupas, sapatos, óculos, bolsas (eu admito que já me peguei fazendo a mesma pergunta...).
Chego a lembrar dos movimentos populares, eles emergiam de um sentimento de pertença, a você pertencer a uma classe, uma cultura, uma comunidade, um povo. A você ligar sua identidade ao próximo. Acredito, então, que antes da busca da autonomia, seja necessário recuperar nosso sentimento de pertença, um resgate da nossa identidade, da idéia de coletividade, para se propiciar o estímulo à mudança e o envolvimento com o que acontece no seu bairro, na sua cidade, a responsabilização, esses são os elementos da autonomia.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Sobre Tecnologias e Imagens: A quem e o que queremos convencer?
Me veio a idéia de escrever esse texto por observar os celulares de última geração, que possuem a tecnologia touchscreen, ela também está surgindo em computadores, televisores, como também vem se difundindo mais a tecnologia 3D, os retroprojetores. Estamos tornando as imagens cada vez mais “palpáveis”, arrastamos com os nossos dedos, viramos o aparelho de cabeça pra baixo e elas se ajustam automaticamente à nossa posição, podemos a todo o momento, onde formos, tirar uma foto, “congelar” o momento que quisermos. Isso só aumenta nosso fascínio pelas imagens, estamos cada vez mais viciados nelas...
Parece que esquecemos que a menos de uma década atrás, as fotos eram coisas íntimas, você precisaria ir à casa da pessoa, ter uma intimidade maior para pedir para ter ou pelo menos ver alguns retratos dela, parecia até um ritual, e que presente era ficar com uma foto de quem você gostava. Hoje nós só faltamos andar com uma imagem sobre nossa cabeça... Desculpa o exagero, mas é fato que às levamos para todo lugar, na internet, no celular... Podemos ter acesso às imagens de um alguém antes mesmo de o conhecer. As fotos se tornaram um convite, a cada minuto, hora, todo dia são adicionadas milhares de fotos na internet. Porque sentimos essa necessidade de mostrá-las todas as pessoas que conhecemos e até a quem não conhecemos? Dando satisfação de aonde vamos, o que fazemos, com quem estamos e como estamos... A quem queremos tanto nos mostrar?
De repente parece que conquistamos um espaço para nos mostrarmos, para mostrar que somos importantes, que somos diferentes. Como os artistas, que vemos em uma revista de fofocas, eles que precisam estar sempre aparecendo para manterem o prestígio, hoje nós ganhamos esse espaço, temos essa janela para nos mostrar, para passar uma imagem, uma mensagem, e porque não, uma autopropaganda? E esse grito, dentre um mar de gente, a quem desejamos que ele chegasse? Aos nossos amigos? Familiares? Namorados (as)? Amores? Ou a nós mesmos. A quem queremos convencer através de encantadoras imagens? E, principalmente, o que queremos convencer?
Todos queremos mostrar a mesma coisa: que somos felizes! Talvez porque pensamos que tristeza não é capaz de atrair a felicidade. Tiramos fotos sempre sorrindo, com pessoas ao redor, bem vestidos, com maquiagem, em variados os cenários. Tudo isso demonstra um reflexo do que pensamos ser felicidade: felicidade não é estar só, não é estar em casa, não é no nosso quotidiano. O que me remete ao livro “Mistérios do Coração” que acabei de ler do Roberto Shinyashiki no qual nos dá uma definição que vai de encontro a essa: “Depois percebemos que felicidade é um jeito de viver a vida, não simplesmente uma coleção de momentos felizes, mas uma postura de compreensão diante acontecimentos de nossa vida. Uma forma de entender que o sofrimento é inevitável. Assim como o prazer também é inevitável.”
Eu sou uma pessoa muito apaixonada por imagens, pela beleza, adoro o cinema, a arte, por isso estou em uma zona de risco, de me apegar, me encantar, me deixar enganar pelas imagens quando estou na internet. Assim como Rubem Alves, que igualmente se diz um amante da beleza, ele antes de tudo afirma que nos apaixonamos, alimentamos nossos sonhos por imagens, quando apaixonamos por alguém, por exemplo, é porque construímos uma imagem poética que já possuíamos muito antes de conhecê-la e que imediatamente ligamos à pessoa e nos apaixonamos. O rosto dessa pessoa recém-amada coincide com a nossa fantasia de felicidade. Construímos nossos sonhos com cenas de felicidade. Se amo uma casa de paredes brancas e janelas azuis é porque estou amando tudo aquilo que acontecerá nela.
Mas serão, essas imagens, as mesmas que divulgamos pela internet? O que a tecnologia captura? Sinto dizer que não, o que hoje postamos, tocamos na tela em um touchscreen, quem sabe futuramente, poderemos estar abraçando em um hugscreen... Esteja certo que a tecnologia e nossa sociedade moderna sempre dará um jeito para que sempre fiquemos cada vez mais apegados a esse tipo de imagem, que não passam de retratos no qual Rubem Alves mesmo nos lembra: “O retrato é o lugar da ausência. Barthes diz que aquilo que todos os retratos retratam é a morte: o que deixou de ser, o que não é mais. O tempo do retrato é um passado irrecuperável.”
E parece muito doido, mas me veio a imagem ou tentei mesmo imaginar daqui a uns 60 anos nós postando fotos da mesma maneira, velhinhos, com os cabelos brancos, rodeado de amigos, tirando fotos narcisistas no banheiro, hum... não, penso que esse ritmo não vai continuar chegando lá...Mas isso porque estamos apegados a esses retratos que imagens do que é volúvel, efêmero, estamos capturando cenas superficiais, corpos e rostos perecíveis, sorrisos estirados, padronizados, poses programadas, o que se conta é a quantidade, quantidade de pessoas ao redor, quantidade de fotos, quantidade de cenários diferentes, muitas vezes são repetidas fotos da mesma coisa, é como se dizer “sim, sim, sim, sim”. Me diga uma coisa, se é verdade, não basta apenas um “sim”?
Não estou me referindo a toda e qualquer fotografia. Fotografia é uma outra arte pela qual sou apaixonada. Mas ela por ser uma arte justamente não é programada. Ela é síntese. Pode ver, as crianças que não tem a intenção de aparecer em imagens, não tem nem necessidade de olhar para câmera, elas transmitem uma felicidade na foto que não conseguimos deixar de sorrir ao ver uma fotografia. Digo isso da minha priminha de um ano e pouco, tiro milhares de fotos dela e em todas dá uma vontade de guardar e me passam um bem-estar, ou se pego um álbum meu de criança, não vou julgá-las mentirosas ou mortas. Como também, para mim, depois será muito significativo pegar e rever minhas fotos que hoje tiro na faculdade. Dos meus dias que lá vivi, as pessoas com quem convivi, não importa se foi numa festa ou em uma aula, minha vontade será olhá-las sozinha ou mostrar a alguém importante. Talvez o problema nem seja a fotografia, mas a atitude que com o que você faz dela...
Minha intenção não é criticar ninguém ou certas atitudes, somos seres sociais, pode ser até normal essa tendência que acabei de falar. Porque, para nós, que já tivemos na história da humanidade, vivemos em comunidade, sabendo um da vida do outro, hoje na nossa sociedade individualista, temos muros entre nossas casas, que nos impede de se comunicar com o próximo, até dentro nossa casa essa comunicação pode estar prejudicada, assim que chegamos em casa, corremos para o computador porque a internet se torna uma fuga, uma forma de comunicação para suprir essa carência, não é a ideal, sustento, mas fazer o que, é uma necessidade...
Mas acho pertinente falar sobre esse assunto porque temos o eminente perigo de cair em armadilhas com essas imagens, em armadilhas dos outros e inclusive as armadas por nós mesmos (as mais perigosas, julgo). São encantadoras, as imagens que vemos por aí, a tecnologia ainda por cima nos presenteou com a máquina digital, que diferente das que possuíam o negativo, podemos persistir em várias tentativas de tirar melhores fotos, cada vez mais bonitas, sedutoras, convincentes... O que me faz associar ao poema “Mal Secreto” de Raimundo Correia, poeta do séc. XIX que se hoje tivesse experimentado os sites de relacionamento da internet não teria dedicado e feito poema melhor:
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;
Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
As imagens as quais Rubem Alves fala são dificílimas de registrar em uma câmera, são cenas de milésimos de segundo, imagens recortadas e remendadas como numa concha de retalhos ou um mosaico, foscas, distorcidas, são tristes, alegres, cheias de ódio, angústia e amor, carregadas de grande sentido, profundas, às vezes nem se acham em nosso consciente, estão escondidinhas no subconsciente, por trás dos nossos sonhos, dos nossos impulsos, dos nossos medos, elas constituem da nossa essência e são eternas de nossa existência. Mas essas, não temos ainda coragem de expôr-las, aprendemos a negá-las, e realmente, é bem mais fácil esticar o sorriso e click...
Mas penso que não seremos completamente felizes enquanto não vivermos ou pelo menos assumirmos essas imagens secretas... Ou continuaremos a tentar convencer aos outros e principalmente a nós mesmos que nossa vida é venturosa...
segunda-feira, 22 de junho de 2009
Carta entre amigos pervertidos: a trajetória de uma formação!
Muitas vezes de um caminho “bom”,
Aquele planejado e esperado.
Os pervertidos não são dotados de razão,
Desconsertam o que vier pela frente.
Uma pessoa de “boa conduta” não dura muito junto às pervertidas,
Sua trajetória passa de uma linha reta e contínua
À uma zigue-zagueada, torta, espiralizada,
No entanto pulsante, viva.
Quem se deixa perverter não tem paz,
Sempre está metido em alguma “ação”.
Invadindo os espaços que estiverem ao seu alcance,
Não sai da boca dos outros.
Por isso andam sempre unidos,
Usando um de escudo para o outro,
Dando força quando pouco também lhe resta,
Sem saber mais quem está piorando a imagem de quem!
Dedico a todos meus amigos pervertidos, que me tiraram do rumo, me fizeram ver com outros olhos e aceitaram também o meu jeito de ver, que compartilharam das loucuras e remediram os vexames.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
O amor a si próprio
Antes de manter uma relação com o outro, mantemos uma relação consigo mesmos, há momentos de se gostar muito, estar às mil maravilhas, mas há os inegáveis momentos de crise, pode até haver a que seria a “terceira pessoa” que acaba por fazer você trair a si mesmo, momentos também até onde você não se encontra mais. É impossível escapar das eventualidades de um relacionamento, mesmo que este seja consigo próprio. E sinto uma dificuldade em admitir, mas não acho fácil o “simples” amar a mim mesmo.
Nunca me disseram a receita para amar a si próprio, ou melhor, posso já ter escutado, mas receitas e manuais são difíceis de operalizar algo quando nos voltamos para termos subjetivos, inerente de qualquer ser vivente Homo Sapiens Sapiens-demens. Mesmo que houvesse como fazer um manual ou receita não me veria como a pessoa ideal para ditá-lo. No entanto posso repassar um pouco de minhas vivências como lições tanto para mim mesma como para vocês, dispostos a lê-las, de como percebi as dificuldades de minha relação e como poderia enfrentá-la.
Recorro, primeiramente, ao grande poeta Fernando Pessoa, quando fala de seu amor próprio diz “hoje só tenho encontro marcado com o que me interessa”. Uma frase óbvia ao que parece, porque maioria das coisas que fazermos é de interesse próprio, mas com o decorrer de uns tempos tenho me questionado se era o que realmente acontecia. O pior que não se trata de altruísmo, mas de ser levado pelo outro. Crescemos vendo conceitos de popularidade, conhecer pessoas, sair. Para mostrar que se é feliz basta ter fotos no Orkut sempre acompanhado, se você só tem foto sozinho acaba virando patético. Hoje não vejo curtição ou divertimento trazido pela mídia que não seja ao redor de várias pessoas ou mesmo que seja para esbanjamento dos outros, por vezes não passa de apenas conglomerados de pessoas. Por isso quando me deparava com opções sair com os amigos ou ficar em casa sozinha, mesmo que a primeira opção não fosse a preferível, eu a escolhia, porque absolvi o que tanto ouvi: “Tudo, menos ficar em casa!”.
É inegável que é melhor os bons momentos junto a uma companhia, mas existe também como tê-los sozinhos. Por isso, hoje, antes de pensar em sair, primeiramente pergunto a mim mesma se estou com vontade, independente de quem esteja lá ou o que. Às vezes há barreiras físicas, como também há as emocionais, ir para uma festa triste é o mesmo que ir para a mesma com as duas pernas engessadas ou com dor de dente. Para mim, respeitar esses momentos sem ver grande perda é uma grande prova de amor próprio. No entanto, é normal ver pessoas preferirem sair a enfrentar o próprio sentimento sozinho, prefere anestesiá-lo indo a público, porque ao ter outras pessoas em volta seria insano demonstrá-lo, principalmente sendo de natureza melancólica, dificilmente perdoada em nosso meio.
Contudo, para o exemplo das festas, pode-se afirmar que as pessoas tem vários ideais de felicidade, e uma parte delas preferem ser reservadas, mas não é sinônimo de amor próprio às mil maravilhas. Ele se põe em prova quando essas pessoas se vêem tendo de enfrentar a situação oposta. Em épocas que preferia me reservar, ao me ver junto às várias pessoas vinha a constante vontade de procurar a porta de saída, passava a me sentir insegura, desconfortável, sem ter nem a vontade de olhar na cara das pessoas. O amor próprio se torna obsessão. É como a história de narciso, acabamos afogados em si mesmos sem ter um real contado com os outros. A prova do amor próprio está também na relação com o outro, se não o consegue, algo está errado consigo mesmo.
Engraçado, na primeira situação quando a pessoa está no meio aos outros, procura enxergar algo de si, na segunda, ela procura ignorá-los porque não vê nada de si. Na primeira, queremos pessoas como nós mesmas, assim poderíamos gostar de si mesmas, na segunda negamos as outras pessoas por não serem como nós, temendo perder algo de si.
São apenas dois extremos, devo ressaltar, ninguém é tão categoricamente isso ou aquilo, não gosto de categorias, digo até porque já experimentei um pouco dos dois lados como do cogumelo de Alice no País das Maravilhas. Uma hora você se vê crescendo, outra hora está diminuto.
Depois de altos e baixos, reconheci que até nas pequenas atitudes colocamos em prova nosso amor, ao escolher uma roupa, o que comer, o que fazer. Mas sua maior conseqüência ocorre em nossas próprias emoções, Ingmar Bergman, um dos maiores diretores de cinema já afirmou que "Instintivamente as pessoas têm sempre medo das emoções.”. O não sucesso nelas corresponde a nossa vida, então muitas são repudiadas pelo modelo atual: a sociedade, a economia, a política trabalham para que sejamos felizes, nos proporcionando todos os meios e happy hours possíveis. Com tanta felicidade a mostra se torna repugnante ou até vergonhoso estar triste, chorar, sofrer, deve-se fazer tudo para evitar essas formas doentias de sentir.
Esquecemos, então, que as emoções fazem parte de nosso próprio ser, são, antes de qualquer moral ou regra de conduta profissional, os grandes agentes modeladores de nosso ser, como nos tratássemos de simples argila e elas fossem nos esculpindo até nos darem forma, características, mas como acontece se temos medo da emoção, se elas são reprimidas, procuramos evitá-las? Acabamos nos tornando aberrações, figuras incompletas. Quando voltamos para nosso amor próprio acabamos nem nos reconhecendo.
Por isso volto a afirmar que não é fácil ter amor a si próprio, para ditar sua máxima chamo Fernando Pessoa novamente para ele contar:“eu percebi que quando me amei de verdade pude compreender que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa (...) Ser feliz não é ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um ‘não’.”. Trilhar esse caminho consiste em aceitar suas emoções, respeitá-las e senti-las de todo coração, como afirma Rubem Alves “os sentimentos são pássaros em pleno vôo” ao aprisioná-los deixarão de sentimentos. Vivê-los significa aceitar a si próprio, portanto, amar-se.